sexta-feira

Lixa-te, é daí que vem o brilho.


Cada som em cada movimento provocava o mistério daquela tarde, naquele dia pendurado à noite. O mistério daquilo que estava e não se via nem se servia dos olhos para ser visto.

As pedras dobradas e ancoradas na ponta do mar. As árvores estendidas no chão. 

As folhas acordadas e sonhadas param e recomeçam o tempo. O olhar manifesto nas mãos recolhe-as para fora, cada uma a seu tempo. Desdobra o corpo mais uma vez e lança a seta onde o alvo não figura, nem silhueta tem. A seta deixa de ser seta, o alvo deixa de ser alvo, o arco recolhe-se em ar. Vai para dentro do corpo através das mãos.

O sol a atingir os raios, a luz a mover as sombras. Faz mover os pés para junto do corpo. Abana e abandona a árvore onde te seguras. Planta-te a ti, no mais profundo que há em ti e no interior da terra. Bem lá no fundo e vem. Faz-te árvore e toca as nuvens com os teus ramos e toca as nuvens com as tuas raízes. 

O movimento só é liberto depois de o soltares, de ti e ao que te prendes-te.
Arranha e arranca a respiração do teu corpo e da tua alma, faz-te surdo ao mundo para te escutares. Senta-te ao teu colo e faz-te criança. Assim chegarás a ti.

E agora o vento preso pelas árvores solta as folhas. Uma a uma. Passo a passo. Tudo regressa a ti. O que te esqueces-te, o que perdes-te, o que tapas-te, o que enfeitas-te. Está tudo agora no dobro da intensidade. Vai-te lixar.